Por Jéssica Helena Trombini
novembro/2025
⠀⠀⠀São 21 anos de intervalo entre a primeira tradução de Léxico Familiar, de 1988, publicada pela Paz & Terra, e a edição de 2009, feita pela Cosac Naify. A tradução de Lessico famigliare, a obra mais importante de Natalia Ginzburg (1916-1991) volta a circular no Brasil, contudo, trata-se da mesma tradução, feita por Homero Freitas de Andrade (1952-2020), mas com atualizações lexicais e uma evolução perceptível nos paratextos.
⠀⠀⠀Léxico familiar agora faz parte da coleção Mulheres Modernistas, produzida entre 2004 e 2013, e que conta com títulos de autoras como Virginia Woolf, Gertrude Stein e Marguerite Duras (Ribeiro; Karam, 2019). Ao todo, a coleção teve 14 livros, sendo dois de Natalia Ginzburg: Léxico familiar e Caro Michele, ambos publicados em 2009.
⠀⠀⠀As capas da coleção são de Gabriela Castro, com projeto gráfico de Luciana Facchini. Em seu site, a designer explica o desenvolvimento do projeto: “Com apelo clássico, a coleção ao mesmo tempo subverte lógicas comerciais como, por exemplo, abreviar o primeiro nome – baseado no antigo costume de ocultar a condição feminina – além de valorizar o sobrenome em detrimento do título do livro.” Ademais, ela reforça que as texturas remetem ao ambiente das casas do início do século XX. Por isso, vemos imagens que lembram estampas encontradas em ambientes domésticos, como em cortinas, sofás e toalhas de mesa, cobertores, entre outros, dando a ideia de acolhimento e intimidade.
⠀⠀⠀Segundo Gérard Gennette (2009), os paratextos cercam e prolongam o texto, mas também o tornam presente e contribuem para garantir sua presença e sua recepção no mundo. Nesta nova edição da tradução de Léxico familiar, publicada pela Cosac Naify, os paratextos são mais robustos em relação à primeira: ao todo, há 11 notas de rodapé, 50 notas de apoio (cujo conteúdo varia entre nomes de personagens, itens culturais específicos e nomes de periódicos da época retratada no romance autobiográfico), um posfácio, uma lista de obras da autora, uma lista de artigos, trabalhos e comentários sobre o próprio título Léxico familiar e fotos da autora. Na edição da Paz & Terra, havia apenas 13 notas de rodapé e duas orelhas com textos genéricos sobre a autora e sobre a obra, nenhum deles assinados.
⠀⠀⠀O posfácio da edição de 2009 é assinado por Ettore Finazzi-Agrò e tem como título “O bordado da memória”. Nesse texto, ele chama a atenção para o fio condutor da narrativa, a linguagem acessível e particular daquela família, por meio de anedotas, músicas, rimas e palavras que têm pesos e sons que ninguém fora daquele núcleo poderia apreciar. Para o professor e crítico, o fascínio exercido pelo livro de Ginzburg tantas décadas após sua publicação, em 1963, se dá justamente pela “capacidade de reconstruir um mundo perdido sobretudo graças à memória das palavras que nele habitavam e que ninguém fora dele poderia entender plenamente senão tendo à mão esta gramática sentimental, cuja linguagem é própria, pois comum, e se torna comum a partir do ‘dialeto’.”
⠀⠀⠀Não faltam resenhas a esta nova edição nos principais jornais brasileiros e suplementos de cultura e literatura. Barroso (2010), no jornal O Estado de S. Paulo, se atém à linguagem: “Natalia Ginzburg utiliza uma linguagem direta, em que predominam os diálogos expressos em frases naturais, despidas de quaisquer artificialismos literários, mas que vão se aprofundando e ganhando substância à medida que delineiam seus personagens.” Já Noemi Jaffe (2010), na Folha de São Paulo, destaca a simplicidade e os contrastes propostos pela narrativa: “E o fascínio que esses personagens exercem sobre nós se localiza justamente na simplicidade do dia-a-dia e, principalmente, na simplicidade da linguagem com que a pequena história e a grande História são narradas.”
⠀⠀⠀Ainda, no Jornal Rascunho, Luiz Horácio (2010) escreve: “As frases são carregadas de um naturalismo impressionante, sem com isso chegar ao superficialismo de uma novela de tevê. Os artificialismos literários que a teoria recomenda não são utilizados. A temática, aparentemente banal, é abordada de forma profunda. Invejável.” Tudo isso demonstra não apenas a qualidade do texto de Natalia Ginzburg, capaz de cativar novos leitores mesmo cinco décadas após a publicação, mas também a qualidade da edição em si e o prestígio da editora pela qual Léxico familiar foi publicado.
BARROSO, Ivo. Natalia Ginzburg e a saga de família. O Estado de S. Paulo, Caderno Sabático, página S6, sábado, 03 de abril de 2010.
FACCHINI, Luciana. Coleção Mulheres Modernistas: Cosac Naify, 2004 – 2013. [s.d]. Disponível em: https://www.lucianafacchini.com.br/colecao-mulheres-modernistas. Acesso em: novembro de 2025.
GENNETTE, Gérard. Paratextos editoriais. Cotia: Ateliê Editorial, 2009.
HORÁCIO, Luiz. O melhor e o pior do homem: Resenha do livro "Léxico familiar", de Natalia Ginzburg. In: Jornal Rascunho, o jornal de literatura do Brasil. Edição 122. 01 de junho de 2010. Viamão. Disponível em: https://rascunho.com.br/ensaios-e-resenhas/o-melhor-e-o-pior-do-homem/. Acesso em: novembro de 2025.
JAFFE, Noemi. Ginzburg constrói narrativa complexa, dinâmica e crítica. Crítica: Léxico Familiar. Folha Ilustrada. 03 de abril de 2010. São Paulo: Folha de São Paulo. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq0304201014.htm Acesso em: novembro de 2025.
RIBEIRO, Ana Elisa; KARAM, Sérgio. Publicar mulheres: três coleções de escritoras estrangeiras no Brasil (séc. XX e XXI). In: Amoxtli, núm. 2, pp. 47-55. Universidad Finis Terrae: Santiago, 2019. Disponível em: https://www.redalyc.org/journal/6157/615764479004/html/. Acesso em: novembro de 2025.
GINZBURG, Natalia. Léxico familiar.Tradução de Homero Freitas de Andrade. 1. ed. São Paulo, SP: Cosac & Naify, 2009.
