por Andrea Santurbano
Julho / 2025
⠀⠀⠀Figura hoje quase esquecida, a não ser entre os especialistas da matéria, Alessandro Varaldo foi, ao contrário, um protagonista de grande relevo no meio cultural italiano da primeira metade do séc. XX. Ironicamente, para ele que, como veremos, foi o autor do primeiro romance policial italiano, os dados biográficos já revelam um caso a ser desvendado. Com certeza nasceu em Ventimiglia, município da Ligúria, na divisa com a França, em 25 de janeiro. Sobre o ano, porém, as fontes consultadas discordam: 1873, segundo a Wikipedia, 1876, segundo o Dizionario Biografico online da Treccani, e 1878, segundo o site da Fondazione Arnoldo e Alberto Mondadori e da mesma Treccani, acessando desta vez a seção Enciclopedia online. Já sobre a morte, acontecida em Roma, existe uma unanimidade quanto ao ano, 1953, enquanto a data exata oscila entre 17 e 18 de fevereiro.
⠀⠀⠀Varaldo estreia como autor ainda no séc. XIX, publicando, em 1897, uma coletânea de poemas simbolistas, Primolibro dei Trittici (Bordighera), e como romancista em 1898, com I signori di Nervia (obra depois reelaborada e confluída, em 1921, em I cuori solitari, Milão) e, sobretudo, com La principessa lontana (Castrocaro), considerada pelo próprio escritor sua primeira obra. Mas o sucesso chega principalmente como comediógrafo, em particular com Altalena (1910), peça traduzida, junto com outras, para o espanhol. Nesse período, Varaldo vai progressivamente reduzindo sua atividade jornalística para se dedicar à criação literária. Merece ser lembrada sua participação, a convite de Filippo Tommaso Marinetti (1876-1944), em um romance coletivo, Lo zar non è morto (1929), escrito por dez dos narradores mais representativos da literatura italiana da época (não por acaso, reunidos no livro sob a nome de “Gruppo dei dieci”) que, ao narrar uma aventurosa história de espionagem internacional, pretende constituir uma ação de propaganda político-cultural. Além de Varaldo e Marinetti, cabe citar desse grupo Massimo Bontempelli (1878-1960), Lucio D’Ambra (1880-1939) e Luciano Zuccoli (1868-1929), autores que também chegaram a ser traduzidos no Brasil e figuram no DBLIT.
⠀⠀⠀Varaldo é protagonista de outro feito, a fundação em 1920 da SIAE (Sociedade Italiana de Autores e Editores, que ainda hoje regula no belpaese os registros e patentes dos direitos autorais), que dirigiu até 1928, ano em que foi substituído no cargo, não sem polêmicas, por um dirigente fascista. Aliás, cabe lembrar que, não diversamente de outros intelectuais da época, o autor lígure manteve uma relação ambígua com o regime de Mussolini, feita de adesão, crítica e, finalmente, de hostilidade quando de sua queda, em 1943, ano em que Varaldo assume a direção da “Accademia di arte drammatica di Roma”.
⠀⠀⠀Mas é em 1931 que se abre a etapa decisiva na carreira literária de Varaldo, graças à qual ele chega a ser traduzido no Brasil. Nesse ano, de fato, com O sete belo (em original, Il sette bello) nasce, como já foi adiantado no início, o primeiro romance policial italiano ou, pelo menos, o primeiro romance que pode ser considerado “canônico” desse gênero. Tudo nasce com a editora Mondadori resolvendo criar, em 1929, a coleção dos “Libri Gialli”, especificamente dedicada a obras policiais, na esteira do grande sucesso do gênero em âmbito internacional. Escreve Elisabetta Baldisserotto: “Com’è noto il genere poliziesco non ha avuto vita facile in Italia. Mentre in Europa e negli Stati Uniti si diffonde rapidamente a partire dal 1841, anno di pubblicazione de I Misteri della Via Morgue di Edgar Allan Poe, e trova numerosi seguaci, in Italia viene osteggiato dalla critica perché considerato un genere letterario di serie B. Sebbene, sulla scia de I misteri di Parigi di Eugène Sue, tra fine Ottocento e inizio Novecento, Francesco Maistrani, Matilde Serao, Carolina Invernizio e altri seguano la moda letteraria dei ‘misteri’, oscillanti tra il gotico e il giallo, per convenzione si fa risalire al 1929 la nascita ufficiale del poliziesco in Italia” (BALDISSEROTTO, 2025).
⠀⠀⠀Como talvez se saiba, o nome da coleção – gialli, ou seja, “amarelos” –, que remete à cor da capa escolhida para todos os livros do catálogo, passa bem cedo a ser adotado, por uma espécie de metonímia, para definir o próprio gênero romanesco, tanto que hoje na Itália o termo giallo é sinónimo de policial. Ao lado de os “Libri Gialli”, a Mondadori lança outras iniciativas: em 1933, os “Gialli economici Mondadori”, que atingiram uma média de 26.000 exemplares por edição, dando novo impulso ao gênero e tornando conhecidos autores, personagens e enredos dos romances; em seguida, “I supergialli”, com nove séries que saíram entre 1933 e 1941; “I capolavori dei libri gialli”, de 1937 a 1941; e, finalmente, a coleção “Il documento giallo”, em 1937, que, no entanto, parou no primeiro número. O segredo do sucesso dessas publicações reside também nos canais de distribuição, com a venda que acontece diretamente nas bancas de jornais. Ora, se por um lado isso garantiu uma distribuição muito difusa com relação aos canais tradicionais, por outro, influenciou durante muito tempo o juízo da crítica – ou preconceito, poderia se dizer –, que via esse gênero como literatura de pura diversão ou pseudoliterário. Voltando ao assunto central, pelo destaque que Varaldo vinha assumindo no panorama literário nacional, a editora Mondadori decidiu apostar nele como primeiro autor italiano da coleção, depois de ter publicado autores já clássicos do gênero como Van Dine, Wallace, Stevenson, Green, Christie. Porém – a verdade seja dita –, um fator determinante foi também a promulgação de uma lei fascista que passou a impor a publicação de um escritor italiano a cada cinco estrangeiros.
⠀⠀⠀Nasce, então, nesse contexto, Il sette bello, assim celebrado pelo site da Fondazione Arnoldo e Alberto Mondadori: “Romanzo simbolo della giallistica italiana degli anni trenta, […] trasferisce le ambientazioni del poliziesco anglosassone in Italia, creando il personaggio del commissario di polizia romano Ascanio Bonichi” (2025). A caracterização do delegado Bonichi é com efeito muito particular: romano do bairro Trionfale, com grandes bigodes pretos, de monóculo no olho direito, sempre elegante, ele é um verdadeiro dandy da época. Vale lembrar, ainda, que o sete de ouros (o assim chamado sette bello) é uma das cartas mais preciosas do jogo de baralho da scopa, bem popular na Itália, que sozinha dá direito a um ponto.
⠀⠀⠀E aqui entra em jogo uma significativa relação intercultural, com a repercussão direta desses fatos no mercado editorial brasileiro, a partir da criação especular no país de uma coleção bem parecida. É justamente o caso da Série (ou Coleção) “Amarela” da Livraria do Globo, de Porto Alegre. Publicada de 1931 a 1956, ela acolhia histórias policiais, de crimes e de aventuras, chegando a publicar quase 160 títulos e lançando no Brasil autores como Agatha Christie e Georges Simenon. Nela aparecem, coincidentemente, muitos dos autores presentes no catálogo da coleção Gialli da Mondadori, a partir dos citados Wallace, Van Dine e Christie. O romance de Varaldo, em particular, não deixa de ser publicado, saindo em 1935, em tradução literal de O sete belo, na versão de Luiz Estrella, tradutor sobre o qual não foi possível coletar nenhuma informação suplementar (trata-se de pseudônimo?). A capa escolhida, inclusive, se assemelha bastante com a original, trazendo, em ambos os casos não exatamente a imagem da carta do sete de ouros (ou bello) da scopa, mas sim a do sete de ouros do poker. E falando em sete, serão mais sete os romances policiais que Varaldo publicaria na coleção da Mondadori, o último dos quais em 1938. A Livraria do Globo traduz e lança no Brasil os primeiros três. Além de O sete belo, sempre na Série Amarela e sempre tendo como protagonista o delegado Bonichi, sai, em 1938, A gata persa (no original, La gatta persiana, publicado em 1933), na tradução de Mário Quintana. E, entre um e outro, a editora portalegrense também lança o segundo policial de Varaldo publicado na coleção italiana, Os sapatinhos vermelhos (no original, Le scarpette rosse, publicado em 1931, mesmo ano de Il sette bello): o romance sai em 1937, com tradução de Fulvia Bertolacci, mas desta vez na revista “A novela” e protagonizado por outra personagem, o detetive particular Gino Arrighi. Esses dois livros também se encontram catalogados no DBLIT.
⠀⠀⠀É O sete belo, contudo, a representar ainda hoje um marco determinante para pensar a origem e a repercussão de todo um gênero literário, o policial, na complexa rede de trânsitos entre a literatura italiana e a sua tradução no Brasil, numa fase de grande desenvolvimento dos mercados editoriais nos dois países.
BALDISSEROTTO, Elisabetta. “Alle origini del giallo italiano: Il sette bello, di Alessandro Varaldo”. Menabó online. Rivista internazionale di cultura poetica e letteraria. Disponível em: https://www.menaboonline.it/alle-origini-del-giallo-italiano-il-sette-bello-di-alessandro-varaldo. Acesso em: 07/07/25.
Fondazione Arnoldo e Alberto Mondadori. “Il giallo Mondadori”. Disponível em: https://www.fondazionemondadori.it/rivista/alberto-tedeschi/il-giallo-mondadori/. Acesso em: 08/07/25.
VARALDO, Alessandro. Disponível em: https://it.wikipedia.org/wiki/Alessandro_Varaldo. Acesso em: 02/07/25.
VARALDO, Alessandro. Disponível em: https://www.treccani.it/enciclopedia/alessandro-varaldo_(Dizionario-Biografico)/. Acesso em: 03/07/2025
VARALDO, Alessandro. Disponível em: https://www.treccani.it/enciclopedia/alessandro-varaldo/. Acesso em: 03/07/25.
VARALDO, Alessandro. O sete belo. Tradução de Luiz Estrella. 1. ed. Porto Alegre, RS: Livraria do Globo, 1935.