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Título: Um Homem Acabado

Escritor(a): Giovanni Papini

Tradutor(a): Antônio Tisi

Informações sobre a obra

  • Classificação: Biografia; Tradução
  • Ano de publicação: 1945
  • Editora: Clube do Livro, São Paulo, SP
  • Idiomas: Português
  • Título original: Un uomo finito
  • Tradução completa da(s) obra(s)
  • Idioma(s) da obra traduzida: Italiano
  • Meio: Impresso
  • Número de páginas: 207
  • Dimensão: 14x19 cm

Verbete

Um homem acabado, de Giovanni Papini


Aline Fogaça dos Santos Reis e Silva

Novembro/2024


⠀⠀⠀Giovanni Papini nasceu em 09 de fevereiro de 1881, em Florença, onde viveu até a sua morte, em 08 de julho de 1956. A ele costuma-se atribuir duas fases distintas em correspondência ao marco de sua conversão ao Catolicismo e consequente mudança de temática em sua trajetória literária. Assim, o primeiro Papini é caracterizado, principalmente, pelo contato com os escritos de filosofia e pela fase futurista, quando publica a obra Un uomo finito, em 1913, sendo considerado pela crítica como o seu período mais fecundo e iconoclasta (Fabris, 1987). O segundo Papini é reconhecido pela narrativa de matiz religiosa, a qual, contudo, não se oferece necessariamente como veículo doutrinador, mas mantém o caráter irreverente de seu autor ao questionar os dogmas cristãos e a própria narrativa bíblica, como é exemplo a obra Il diavolo (1953).


⠀⠀Em 1923, a editora paulista A. Tisi publica a primeira tradução de Papini no Brasil: Um homem acabado. À época, a informação sobre a autoria dessa tradução gerou controvérsias na imprensa: no periódico O Combate, o escritor e jornalista Vicente Ragognetti a atribuiu ao professor e jornalista Nicolau Nazo; enquanto no Correio Paulistano, atribuiu-se ao jornalista português João da Câmara Leme de Vasconcelos.


⠀⠀⠀O que pode parecer, à primeira vista, uma aparente confusão, demonstra, contudo, a repercussão que a tradução obteve e, por conseguinte, o objetivo alcançado pelo editor Antonio Tisi de difundir o livro italiano no Brasil, ainda que, naquele momento, a fama de Papini e dos laços literários ítalo-brasileiros fossem restritos (Hallewell, 2005) e se concentrassem, sobretudo, nos estados do eixo sul-sudeste.


⠀⠀⠀Ao trazer ao público o primeiro Papini, Tisi consolida a sua importância na cena editorial da São Paulo do início do século XX e fomenta o debate que se instaurava entre os intelectuais modernistas e os futuristas italianos, no que diz respeito ao “mover com estes das mesmas águas da modernidade, no seguir o espírito de uma época”, em alusão ao desabafo de Mário de Andrade em carta ao amigo Manuel Bandeira, quando da acusação de imitação de Papini. Apesar dessa relação paradoxal entre modernistas e futuristas, foram justamente aqueles os maiores incentivadores para que o primeiro Papini chegasse ao conhecimento do público (Fabris, 1994).


⠀⠀⠀A esse respeito, o acervo do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo apresenta informações que constatam o contato dos modernistas com a obra L’esperienza futurista (1913-1914), marco da participação de Papini na vanguarda italiana; e, apesar disso, essa obra não foi traduzida para o português. João Luiz Lafetá (2004) aponta que, dentre alguns preceitos estéticos que os modernistas paulistas foram buscar nas vanguardas europeias, está o fluxo da consciência como processo desmascarador da linguagem tradicional. Possivelmente seja essa base da linguagem modernista, isto é, a predileção pelo fluxo da consciência e de uma escrita com caráter mais introspectivo, uma das motivações pela escolha de Tisi.


⠀⠀⠀Em uma narrativa autoficcional, permeada pelo pragmatismo e pelo pensamento de Schopenhauer e Nietzsche, Um homem acabado relata a busca de seu protagonista pela transcendência e a consequente falência desse projeto. Nessa perspectiva, o romance utiliza-se da terminologia musical – andante, appassionato, tempestuoso, solenne, lentissimo e allegretto – para narrar e subdividir as fases vividas até ali. Se à infância coube o compasso moderado, à adolescência caberá o conflito, a percepção do mal, o entre lugar que conecta a inocência às ambições da fase adulta. Passa-se da solidão ao pessimismo gerado pelos questionamentos feitos à existência e à dignidade de viver. A leitura de Schopenhauer fez nascer no protagonista a crença do pessimismo como o ensejo para a criação literária, combustível para a inteligência, e, finalmente, para o interesse pela filosofia.


⠀⠀⠀Ciente da representatividade dessa obra, a editora A. Tisi traz ao público uma edição que não se apresenta despida – para citar Genette (2009), – mas trajada com uma capa desenhada pelo artista e escultor Nicola Rollo, na qual foram dispostas algumas frases extraídas do próprio livro; e um prefácio escrito por Cândido Motta Filho, cuja epígrafe é a frase “crê em ti; mas nem sempre duvides dos outros”, de Machado de Assis, em suas Memórias Póstumas de Brás Cubas, citação justificada mais adiante pelo fato de que, assim como Papini, Assis também cria que o negar é uma forma de crer.


⠀⠀⠀A escolha pelo escritor modernista tem o peso de legitimar a fortuna crítica presente nesse tipo de paratexto, ao mesmo tempo em que expõe, intencionalmente ou não, certa coerência por parte da editora em tê-lo escolhido, em razão do diálogo que pode se estabelecer ali. Isto é, no caso em específico, a atuação no movimento modernista faz com que Motta Filho tenha uma participação nas duas frentes em que Papini é lido: do ponto de vista da vanguarda e pelo viés da tradução. Sendo assim, no prefácio, enfatiza-se a conversão de Papini, pois naquele momento era um fato recente, mas também publiciza-se a nova fase do escritor, bem como a próxima tradução da editora de Antonio Tisi: Historia de Christo (1924).


⠀⠀⠀Em 1945, Um homem acabado é publicado em reedição pela Clube do Livro. Mantiveram-se nela a tradução e o prefácio apresentados na edição de 1923. A única diferença é a capa, pois a editora seguia um mesmo padrão, com o objetivo de criar uma identidade visual a ser reconhecida pelo público leitor. Nela apresentam-se, portanto, o nome do autor e o título da obra, bem como uma pequena silhueta do mapa do Brasil – com os versos de Castro Alves –, tudo emoldurado por um arabesco verde. O mapa, cujos versos são “Oh! Bendito o que semea/ Livros Livros à mão cheia/ E manda o povo pensar/ O livro caindo n’alma/ É germe – que faz a palma/ É chuva – que faz o mar!”, também estampa a quarta capa. A segunda capa anuncia o lançamento de O Noventa e três, de Victor Hugo, e a terceira capa elenca os volumes já publicados desde o ano de 1943 até aqueles a publicar. A primeira página do volume traz informações a respeito da editora, tais como seus diretores e conselheiros de edição, e apresenta oito termos, com objetivos, justificativas, direitos e deveres dos associados. No verso da folha de rosto, há o esclarecimento de que os direitos da presente tradução pertencem à editora Antonio Tisi.


⠀⠀⠀No âmbito da publicação dessa reedição, Mario Graciotti, um dos fundadores do Clube do Livro, no artigo “Os editores não morrem”, presta uma homenagem a Antonio Tisi, que não somente foi o “primeiro editor de Mário de Andrade”, mas representante de “uma das primeiras tentativas editoriais de bom porte”, explicando que o seu contato com Papini e com outros importantes nomes da literatura italiana se deu por intermédio do editor e pelo conhecimento da tradução de Um homem acabado.


⠀⠀⠀Um homem acabado é, portanto, não somente uma obra que conta etapas importantes da carreira de Giovanni Papini, bem como de suas paixões, amizades e família; é, também, um modo pelo qual se delineia essa trajetória, o ponto de partida que possibilita perscrutar o paradoxal existente em sua figura: incompleta e dividida entre tantos anseios. Somam-se a ela mais nove títulos traduzidos e publicados no Brasil, cujas informações podem ser encontradas aqui no Dicionário Bibliográfico da Literatura Italiana Traduzida no Brasil.




Referências


FABRIS, Annateresa. O modernismo e o “segundo futurismo”. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 24 jan. 1987a. Cultura, p. 6-7.

FABRIS, Annateresa. Modernidade e vanguarda: o caso brasileiro. In: ______ (Org.). Modernidade e Modernismo no Brasil. Campinas: Mercado de Letras, 1994. p. 9-25. (Arte: Ensaios e Documentos)

FOGAÇA, Aline. Giovanni Papini iconoclasta e religioso: diferentes fases da recepção do escritor florentino no Brasil. 2017. Tese (Doutorado em Letras) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017.

GENETTE, Gérard. Paratextos editoriais. Tradução de Álvaro Faleiros. Cotia: Ateliê Editorial, 2009. (Artes do livro, 7)

GRACIOTTI, Mario. Os editores não morrem. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 3 jul. 1965. Suplemento literário, p. 3.

HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil. 2. ed. São Paulo: Edusp, 2005.

LAFETÁ, João Luiz. A dimensão da noite e outros ensaios. Organização de Antonio Arnoni Prado. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2004. (Espírito Crítico)

MORAES, Marcos Antonio de (Org.). Correspondência Mário de Andrade e Manuel Bandeira. São Paulo: Edusp; IEB, 2001. (Correspondência de Mário de Andrade, 1) O intercambio literario italo-brasileiro. Correio Paulistano, São Paulo, p. 3, 9 jun. 1923.

RAGOGNETTI, Vicente. O Combate, São Paulo, p. 3, 2 dez. 1923.




Referência

PAPINI, Giovanni. Um Homem Acabado. Tradução de Antônio Tisi. São Paulo, SP: Clube do Livro, 1945.


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