Por Fernanda Moro Cechinel
agosto/2025
⠀⠀⠀O romance Pane e Vino foi publicado pela primeira vez em alemão como Brot und Wein, em 1936, pela Europa Verlag, na tradução de Adolf Saager (Ribeiro, 2014). Já em 1937, publica-se duas versões em italiano, uma pela editora inglesa Jonathan Cape e outra pela editora suíça Nuove Edizioni di Capolago. Em 1943, chegou ao Brasil como Pão e Vinho, na tradução de Miguel Macedo, pela editora paulista Oceano.
O escritor Ignazio Silone que, na verdade, nasceu como Secondino Tranquilli, em 1º de maio de 1900, na pequena Pescina, província de Aquila, região de Abruzzo, centro-leste da Itália, morreu em 22 de agosto de 1978, em Genebra, na Suíça. Tranquilli adotou o nome Silone por volta dos anos 1920:
“É no período do exílio, também marcado pelo cárcere, que Secondino Tranquilli começa a usar o pseudônimo Ignazio Silone – é preciso dizer que ele não gostava do nome Secondino. Já nas viagens à Rússia, ele passa a usar só o sobrenome Tranquilli, deixando de lado o primeiro nome. Contudo, a escolha do nome Silone verifica-se em 1923, na prisão de Barcelona, onde escreve e assina com esse nome vários artigos publicados no periódico La Batalla, dirigido pelo revolucionário catalão Julio Maurin. É o próprio escritor a testemunhar o motivo da escolha do nome, no conto Il pane di casa. E as motivações são duas: a primeira está relacionada ao líder da resistência dos Marsi, Poppedio Silo, considerado um símbolo de autonomia. Já o nome Ignazio dá-se em homenagem a Inácio de Loyola. Está formado, então, o nome pelo qual Secondino irá ser conhecido em todo o mundo e estará na capa de seus livros. Em 24 de janeiro de 1947, o tribunal da cidade de L’Aquila, capital do estado do Abruzzo, com um decreto, mudou na certidão de nascimento o nome de Secondino Tranquilli para Ignazio Silone.” (Peterle, 2009, p. 143)
⠀⠀⠀Já o exílio, onde Silone escreve Pane e Vino e outras obras, foi devido a sua oposição ao regime totalitarista da época, uma vez que atuou ativamente na política, levando-o a ser um dos fundadores do Partido Comunista da Itália (PCI).
Em 1955, após uma minuciosa revisão do próprio Silone, a obra volta a ser publicada sob o título Vino e Pane pela editora italiana Mondadori.
Pão e Vinho é ambientada na terra natal do escritor. Aliás, quase todas as suas obras têm como cenário a região montanhosa do Abruzzo, com exceção apenas de La volpe e le camelie (1960), que se passa na Suíça, país que abrigará Silone durante seu período de exílio (Cechinel; Peterle, 2010).
⠀⠀⠀Esse romance foca na trajetória de retorno do jovem Pietro Spina à sua terra natal após anos distante. Pietro Spina volta pelas saudades da terra onde nasceu, para restabelecer sua saúde e também para semear nas pessoas do campo uma esperança de vida melhor, baseada nos preceitos socialistas. O retorno ao Abruzzo também justifica-se como forma de Spina se esconder das perseguições que sofria, devido suas opiniões políticas. No entanto, no desenrolar da narrativa o Abruzzo deixa de ser esse lugar de proteção, para se tornar sua rota de fuga. (Cechinel; Peterle, 2010, p. 1126).
⠀⠀⠀A respeito do tradutor Miguel Macedo, não foram encontradas informações, bem como sobre a editora Oceano. Não há nenhuma menção a essa editora na obra O livro no Brasil (2017), de Laurence Halleweel, uma das obras de referência na área de estudos editoriais no Brasil. Encontrou-se uma editora Oceano localizada em São Paulo, contudo, ela é especializada em publicações hispânicas e possui cerca de 50 anos, tornando-a, assim, incompatível com a editora pesquisada.
⠀⠀⠀A tradução brasileira de 1943 possui 371 páginas indicadas em números cardinais e 12 capítulos apresentados em números romanos. Não possui imagens, notas de rodapé, prefácio, posfácio ou índice.
Sobre a recepção da obra no Brasil, na dissertação de mestrado de Celene da Silva Ribeiro (2014), a pesquisadora transcreve uma publicação do jornal Folha da Manhã, de 30 de setembro de 1943, sobre a obra Pão e Vinho:
“Na sua coleção “Romances Clássicos e Modernos”, a Editora Oceano Limitada, desta Capital, acaba de publicar: “Pão e Vinho”, livro que é considerado pela crítica, como a melhor obra do escritor italiano Ignazio Silone, ora no exílio. Publicado em 1933, na Suíça, o romance “Fontamara”, imediatamente traduzido para vários idiomas, Silone granjeou fama em todo o mundo. Dentre os seus livros, “Pão e Vinho” é tido geralmente como o principal trabalho literário. Há nesse romance cenas vigorosas da Itália de todos os tempos, da “povera gente” penando, da luta aparentemente inútil contra uma ditadura feroz. Os camponeses pobres de todas as regiões do mundo poderão se reconhecer nos seus “cafoni”. Há, por isso, nas páginas dessa grande obra de arte, um conteúdo universal que a enobrece. Nesse livro há muito de autobiográfico. Secondino Tranquillini, que somente ao exílio adotou o pseudônimo de Ignazio Silone, participou durante vários anos da luta clandestina contra o fascismo; sua família, como a do protagonista do romance, Pietro Spina ou Dom Paulo Spada, morreu no terremoto de 1915, e, como ele, caçado pelos “camisas pretas” por toda a Itália, passou muitos meses escondido entre os “cafoni” (camponeses) dos Abruzos, sua província natal. Desse livro, diz o crítico Otto Maria Carpeaux: “O herói do romance volta à pátria, que ele não reconhece mais e onde não mais o reconhecem, até que se perde, para sempre, nas montanhas, cobertas de neve, onde os lobos o dilacerarão: uma jovem – somente ela – fará sobre o perdido o sinal da cruz. É uma grande obra de arte: como todas as grandes obras de arte: faz pairar, atrás de ai um profundo silêncio”. “Pão e Vinho” mostra-nos a grande e tormentosa luta de um homem por um ideal. Através da vida de Pietro Spina surge aos nossos olhos a vida amarga da gente humilde, ludibriada pela ditadura fascista. Um romance de ideias e de costumes “Pão e Vinho” é um livro que, no dizer de Willy Schlamm poderá esperar: ele sobreviverá à nossa geração, seja qual for a decisão que ela venha a tomar.” (Ribeiro, 2014, p. 162 apud Folha da Manhã)
⠀⠀⠀Apesar de algumas inconsistências em datas e nomes, a notícia traz a obra de Silone ratificada por Otto Maria Carpeaux, importante jornalista e autor da obra em volumes, História da Literatura Ocidental (1959).
Em 24 de janeiro de 1946, no Diário de São Paulo, na sessão Notas da Crítica Literária, verifica-se outro importante nome tratando de Pão e Vinho, Antonio Cândido. No texto, Candido faz uma comparação entre Balzac e Silone e, a respeito da obra Pão e vinho, após sinalizar a influência religiosa na escrita siloniana, relata que a obra “é o afloramento de um dos dramas mais emocionantes por que passou um artista revolucionário moderno”.
⠀⠀⠀Tratando dessa escrita ligada aos aspectos religiosos, especialmente na obra em questão, em 2008, foi publicada uma dissertação de mestrado, de autoria de Edvige di Paolo, intitulada A narrativa do religioso em Vino e pane de Ignazio Silone, na qual a autora conclui:
⠀⠀⠀Em Vino e pane, tais marcas da religiosidade são identificadas através das citações de textos sagrados, como latinismos, narração de tradições que, muitas vezes, mostram uma religiosidade popular impregnada de superstição. Por outro lado, aparecem na narrativa, valores religiosos professados pelas personagens, mas não ligados à Igreja institucional ou a representantes da mesma. Nossa pesquisa nos mostrou que a religiosidade siloniana se distancia da religião católica e de seus dogmas. O sentimento religioso que inspirou a caminhada literária de Silone aponta o reconhecimento de um sentimento que se transformou em ideologia. Esse sentimento só pode ser recuperado por meio da retomada dos valores existentes no cristianismo primitivo, aquele que até hoje, ousamos dizer, anima o coração simples do povo abrucês. (Paolo, 2008, p. 85).
⠀⠀⠀Silone revela, em seus textos ficcionais, as dificuldades do seu povo, causadas por uma geografia não favorável à prosperidade agrícola e material, por uma política preocupada em dar continuidade aos privilégios de poucos e a uma religiosidade presente, temas que encontraram eco na realidade brasileira.
CECHINEL, Fernanda Moro. PETERLE, Patricia. Geografia e territorialidade em Pão e Vinho. Anais do Seminário Nacional de Estudos Literários (SENAEL), Seminário de Estudos Literários da Região Sul (SELIRS), Seminário Internacional de Estudos Literários (SINEL): literatura e territorialidade / Organizadores: Franciele da Silva Nascimento...[et. al]. – Frederico Westphalen: URI, 2010. p.1126-1133.
PETERLE, Patricia. Secondino Tranquilli ou Ignazio Silone: da militância política à atividade literária. Revista Literatura em Debate, v.3, n.4, 2009, p. 141-151.
PAOLO, Edvige di. A narrativa do religioso em Vino e pane de Ignazio Silone. 2008. 90 f. Dissertação (Mestrado em Letras Neolatinas) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.
RIBEIRO, Celene da Silva. Fontamara reescrito no Brasil em 1935. 2014. 167 f. Dissertação (Mestrado em Estudos da Tradução) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2014. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/129352/328088.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 28 jun. 2025.
SILONE, Ignazio. Pão e vinho. São Paulo: Editoria Oceano LTDA, 1943. Tradução de Miguel Macedo.
SILONE, Ignazio. Pão e Vinho. Tradução de Miguel Macedo. São Paulo, SP: Editora Oceano Ltda., 1943.