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Título: As cidades invisíveis

Escritor(a): Italo Calvino

Tradutor(a): Diogo Mainardi

Dados sobre a tradução

  • Classificação: Romance ou novela; Tradução
  • Ano de publicação: 2017
  • Editora: Companhia das Letras, São Paulo, SP
  • Idiomas: Português
  • Meio: Impresso
  • Edição: 1
  • ISBN: 9788535928846
  • Número de páginas: 208
  • Dimensão: 16x18 cm

Dados do(s) original(ais)

  • Título original: Le città invisibili
  • Tradução completa da(s) obra(s)
  • Idioma(s) da obra traduzida: Italiano

Verbete

As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino

Por Sergio Nunes Melo

Outubro de 2025


⠀⠀⠀Embora o livro As Cidades Invisíveis (1990), de Italo Calvino, seja, com frequência, classificado como um romance, visto que sua narrativa é suficientemente extensa para o encaixar na categoria através deste critério de definição, trata-se de um texto ficcional resistente à classificação em gêneros literários. Essa resistência ocorre devido à sua excepcionalidade composicional. A rigor, não é um romance e nem mesmo uma novela porque não tem um enredo propriamente dito, isto é, um conjunto de ações que se desenvolva até atingir uma resolução. Tampouco é um compêndio de poemas em prosa, ainda que a linguagem tenha impacto lírico e que o conceito de poema em prosa tenha declaradamente norteado Calvino desde a concepção da obra. O texto está mais próximo de uma coleção de contos curtos, amalgamados por dois elementos salientes: a temática das relações humanas com os espaços urbanos e a forma experimental da estrutura, isto é, de seus princípios ordenadores. É, portanto, sui generis.

⠀⠀⠀O livro, resultante da fase madura de Calvino, terminado treze anos antes de sua morte, foi lançado em idioma original pela Editora Einaudi, de Turim, em 1972. Em português do Brasil, foi publicado pela primeira vez em 1990 pela editora Companhia das Letras. A tradução brasileira é assinada por Diogo Mainardi. Em 1993, recebeu o Prêmio Jabuti na categoria de Melhor Produção Editorial de Obra de Coleção. Além da premiada edição padrão, foi lançada, em 2017, uma edição ilustrada, hoje esgotada, com oito desenhos inéditos do artista italiano contemporâneo Matteo Pericoli. A editora não divulga os dados quantitativos referentes às tiragens. Porém, considerando-se que a distribuição do livro está na décima quarta reimpressão da segunda edição, pode-se deduzir que o título tem circulado amplamente entre os leitores brasileiros. Figurando, segundo a Index Translationum, na quadragésima quinta posição entre os escritores mais traduzidos no mundo, Calvino desponta como o autor italiano mundialmente mais publicado da contemporaneidade, somando novecentos e onze traduções em cinquenta e seis idiomas de sessenta e sete países. No Brasil, a popularidade de Calvino é ainda maior, visto que o autor está entre os dez mais traduzidos para a nossa língua, com mais de vinte de suas dezenas de obras circulando em vernáculo no mercado editorial brasileiro.

⠀⠀⠀As Cidades Invisíveis é vagamente inspirado em Il Milione, ou O Livro das Maravilhas, redigido em franco-vêneto entre o final de 1298 e o início de 1299 a quatro mãos pelo mercador veneziano Marco Polo e pelo escritor toscano Rusticiano di Pisa, como um modo de passarem o tempo enquanto ambos se encontravam encarcerados em Gênova. Porém, à parte a hierarquia oficial entre as duas personagens históricas, não há outros pontos de intertextualidade entre o diário de viagens autocongratulatório do inegavelmente intrépido pioneiro veneziano e a coletânea dos, por assim dizer, verbetes mito poéticos emoldurada por diálogos reflexivos criados por Calvino, os quais não estão circunscritos pelo contexto espaço-temporal do século XIII, chegando mesmo a mencionar um violino e uma locomotiva, marcas temporais dos séculos XVI e XIX respectivamente. Inteiramente grafados em itálico, os diálogos entre Marco Polo e Kublai Khan intercalam os capítulos de relatos das cidades, funcionando como molduras para descrições que evocam sobretudo aspectos pictóricos, mas também analíticos. ⠀⠀⠀Enquanto o livro medieval conta as aventuras da personagem histórica do mercador Marco Polo e do poderoso imperador da China mongólica, Kublai Khan, o livro aqui resumido se restringe à sobriedade dos relatos de cinquenta e cinco cidades imaginárias pelo olhar de um Marco Polo particularmente contemplativo, com respeito a um território vasto demais para ser abarcado pelo melancólico soberano dos tártaros sem que os testemunhos de um confiável embaixador lhe instruam a respeito das qualidades variegadas do império por ele fundado. Trata-se de um texto inteiramente inventado.

⠀⠀⠀Consensualmente tido como a obra prima de Calvino, o livro tem uma fortuna crítica abundante, com um espectro de interpretações que inclui até mesmo leituras diametralmente opostas, como aponta o professor de Teoria da Literatura Igor Grbić: abordagens que exploram o texto literário com o intuito exclusivo de lhe sobreporem suas próprias perspectivas (2020). Neste sentido, há que se reconhecer que a proposta de As Cidades Invisíveis dá margem a super interpretações, pois o texto, composto de fragmentos simultaneamente autônomos e interligados, estimula a participação ativa do leitor na cocriação de seu sentido, em que paisagens, hábitos humanos, fenômenos da natureza, minerais, vegetais, animais, astros celestes e coisas são tratados com o raciocínio matemático da análise combinatória, disciplina que se ocupa da contagem de elementos agrupados, utilizando-se de cálculos de arranjos, permutações e combinações desses.

⠀⠀⠀Admirador declarado de Jorge Luis Borges, Calvino tinha a multiplicidade como um de seus parâmetros de criação literária e impôs a si próprio o desafio de desenvolvê-la, só que com síntese, como o fazem as enciclopédias, os dicionários e afins. Em consonância com esse valor, que abarca o labirinto e o infinito, Calvino que, tendo iniciado os rascunhos de As Cidades Invisíveis com a descrição de algumas cidades esparsas, como se fossem poemas avulsos, ao chegar à quantidade satisfatória de cinquenta e cinco, um múltiplo de 11, número pelo qual tinha predileção enquanto um mínimo múltiplo comum, agrupou-as em nove capítulos, que distribuiu numericamente segundo sua tipologia. À guisa de exemplificação, a primeira descrição, que sucede um diálogo entre Polo e Khan, é agrupada numa espécie de subcapítulo intitulado “A cidade e a memória”, ao qual é atribuído o número de série 1. Na sequência, repete-se o tipo de agrupamento estabelecido, só que com o número de série 2. Já a terceira cidade emerge com o título de “A cidade e o desejo”, introduzindo uma nova série tipológica com o número 1. Deste modo, Calvino organiza as cinquenta e cinco cidades, todas com nomes de mulheres que remetem a tempos remotos, em onze grupos temáticos, escapando à lógica sucessivo-linear. O resultado é que a sequencialidade é aqui desnecessária, se não mesmo irrelevante, na medida em que cada leitor pode escolher seu próprio modo de ler o livro, como o faria com uma coletânea de poemas. À guisa de ilustração da disposição das descrições das cidades invisíveis, note-se, no diagrama abaixo, que há várias possibilidades de sequência de leitura. Um leitor pode, por exemplo, estabelecer uma continuidade no eixo inclinado de cidades com o mesmo número; como pode também preferir uma orientação vertical, com ordem numérica crescente. O fato é que qualquer opção resulta num efeito diverso, pois a disposição das cidades numa determinada sequência tem o potencial de ressaltar aspectos que poderiam não ser tão evidentes em outra sequência.


       1

  2 1

 32 1

4 3 2 1

5 4 32 1

5 4 3 2 1

5 4 3 2 1

5 4 3 2 1

5 4 3 2 1

5 4 3 2 1

5 4 3 2 1

5 4 3 2 

5 4 3 

5 4 

5

      


⠀⠀⠀Trata-se de um caleidoscópio literário. Único literato de uma família de cientistas prestigiosos, além de ter sido membro do grupo de escritores e matemáticos Oulipo (Ouvroir de Littérature Potentielle – Oficina de Literatura Potencial), que se reunia em Paris com o objetivo de descobrir novas modalidades de linguagem através de jogos com a escrita, ao compor As Cidades Invisíveis, projeto de execução lenta e com pouca ou nenhuma previsão de uma forma final, Calvino se determinou, através do estabelecimento de restrições formais, a chegar a um texto que superasse todas as suas obras anteriores. O resultado veio a ser o que ele próprio denominou de “um poema de amor dedicado à cidade” (1983, p. 40). Além da poética das cidades, entidades sobre as quais Calvino já tinha sido crítico anteriormente, como, por exemplo, em Marcovaldo ou as estações na cidade, As Cidades Invisíveis pode também ser visto como uma coleção de ensaios sobre as razões pelas quais as pessoas ainda vivem em cidades, apesar das crises que aumentam na proporção inversa em que se tentam novas soluções urbanas.

⠀⠀⠀Uma vez que não cabe a uma obra literária consertar o mundo, ao desvelar o que permanece oculto no cotidiano de cada leitor, o livro tem o potencial de cumprir, para nós, uma das funções que exerce para o Khan: mapear os desejos, as memórias, as sutilezas, as trocas, os mortos, os signos, as continuidades e as perspectivas que perpassam nossas vidas, dando-lhes sentido. Este parecia ser o apelo de Calvino, implícito na recriação do universo da linguagem, entidade que abriga a existência e que doa a sua natureza ao artefato artístico que, por sua vez, permanece como um registro transcendental – um talismã – de um tempo e de um espaço agora inatingíveis, mas com a faculdade assombrosa de inspirarem autoconhecimento.    

                                                                                                                                             

Referências

Calvino, Italo. Le città invisibili. Torino: Einaudi, 1972.

Calvino, Italo. Columbia: Italo Calvino on Invisible Cities. Nº 8 (Spring/Summer 1983) p. 37-42. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/41806854

Calvino, Italo. As Cidades Invisíveis. Tradução de Diogo Mainardi. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

Calvino, Italo. Sono nato in America: Interviste 1951-1975. Organizado por Luca Baranelli. Milano: Mondadori, 2002.

Grbić, Igor. Italo Calvino’s Invisible Cities: A Fake Tourist Report and a True Literary Testimony. In Knjizevnost i Kultura: Borders and Crossings, 04/2020.

Index Translationum. Banco de dados das traduções de Italo Calvino no mundo. Disponível em: https://www.unesco.org/xtrans/bsresult.aspx?lg=0&a=Calvino%20Italo&fr=250

Markey, Constance. Italo Calvino: a journey toward postmodernism. Gainesville: University Press of Florida, 1999.


Referência

CALVINO, Italo. As cidades invisíveis.Tradução de Diogo Mainardi. 1. ed. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2017.


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