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Title: Divina comédia

Writer: Dante Alighieri

Translator: José Pedro Xavier Pinheiro

Information about the work

Fierce

Divina Comédia, de Dante Alighieri


Por Joseni Terezinha Frainer Pasqualini

Novembro/2024



⠀⠀⠀Para a abordagem da Divina Comédia traduzida por José Pedro Xavier Pinheiro, faz-se importante, a priori, destacar que, no ano de 1888, os leitores que desejassem poderiam adquirir a tradução da Divina Comédia em português do Brasil e na íntegra. Esta foi realizada por Francisco Bonifácio de Abreu, o Barão da Vila da Barra, publicada alguns meses após sua morte, pela Imprensa Nacional do Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano –1888 – veio a lume a tradução de José Pedro Xavier Pinheiro, contendo os trinta e quatro cantos do Inferno.


⠀⠀⠀Já a tradução na íntegra da Divina Comédia, efetivada por José Pedro Xavier Pinheiro, foi publicada em 1907, vinte e cinco anos após a sua morte. Os trabalhos de tradução do Barão da Vila da Barra, impressos em 1888, e de José Pedro Xavier Pinheiro, em 1907, correspondem à indicação das primeiras publicações em verso da Divina Comédia na íntegra, editadas por brasileiros e em solo brasileiro.

Sobre a trajetória de José Pedro Xavier Pinheiro, escritor e tradutor brasileiro do século XIX, vale contextualizar que, à época, o Brasil, na condição de pátria que recém galgou sua independência, aliada à pretensão de ser igualada às “nações civilizadas” da Europa, alterou suas atividades nos campos econômico, político, social e cultural.


⠀⠀⠀Na esfera da literatura, aos escritores ficava sempre mais evidente a necessidade de criar a partir das próprias raízes históricas, do contexto, da linguagem e da cultura local, garantindo uma identidade nacional.


⠀⠀⠀A ausência de um sentimento de ufanismo nacional exigiu também da monarquia um esforço no sentido de construir essa nação e, desse modo, a educação. Assim, no início de 1849, foi criada a cadeira de História do Brasil, fato que demandava livros que pudessem suprir essa disciplina.


⠀⠀⠀Foi nesse clima que o baiano Xavier Pinheiro (1822-1882) se constituiu enquanto jovem leitor, tradutor e escritor. Esse homem, talvez mais conhecido pelo fato de ter traduzido para o português a Divina Comédia, também investiu tempo na elaboração de um livro que contasse a história do Brasil para estudantes. Tal empreitada resultou em um epítome de história, que foi publicado pela primeira vez no ano de 1854, para ser utilizado nas aulas públicas de ensino primário.


⠀⠀⠀Xavier Pinheiro empenhou-se também na escrita de um compêndio de gramática portuguesa para ser utilizado nas escolas do Rio de Janeiro. Contudo, a avaliação desse manual de gramática não foi positiva, fato que o tornou impublicável para aquele fim.


⠀⠀⠀Xavier Pinheiro escreveu livros para além do cunho didático pedagógico. Foi autor de Taboca eleitoral (uma crítica aos costumes políticos) e O Vigário e o Recruta. Em 1864, foi publicada, no periódico da Sociedade Instrutiva da Bahia, A desventurada.


⠀⠀⠀A trajetória do tradutor da Divina Comédia esteve também ligada ao teatro pois Xavier Pinheiro operou como parecerista para o Conservatório Dramático Brasileiro, ajuizando peças teatrais que intencionavam entrar em cartaz. Esse envolvimento com o teatro estendeu-se para a escrita de roteiros de espetáculos teatrais. Compôs três peças teatrais: Constância e Resignação, um drama composto em cinco atos - a comédia em um ato intitulada A Emancipação das mulheres, e Os Tartufos do Rio de Janeiro, comédia em cinco atos.


⠀⠀⠀As atividades de Xavier Pinheiro eram intensas e traduzir para o português a Divina Comédia foi, certamente, a que lhe trouxe maior visibilidade no cenário literário. No ano de 1874, iniciou a tradução dessa obra do poeta florentino, motivado pelo colega Machado de Assis.


⠀⠀⠀O filho de Xavier Pinheiro, J.A. Xavier Pinheiro, informa, no prefácio da edição datada de 1907, que o desdobramento da empreitada de seu pai, iniciada em dezembro de 1874, ficou pronta e “passada a limpo para o prelo, em janeiro de 1882” (1907, s. p), meses antes de ser acometido por um derrame cerebral que lhe tirou a vida, em 20 de outubro daquele mesmo ano.


⠀⠀⠀Do manuscrito completo da tradução da Divina Comedia deixado por Xavier Pinheiro à prensa, passaram-se 25 anos. A impressão ocorreu somente pela persistência de seu filho, J. A. Xavier Pinheiro, e de alguns colegas, mais especificamente Américo de Albuquerque, que apresentou, no ano de 1893, um novo projeto de lei à prefeitura do Rio de Janeiro, solicitando a impressão completa da tradução de Xavier Pinheiro. O referido projeto foi aprovado e em 1907 passaram a circular os três volumes: Inferno, Purgatório e Paraíso, na tradução de Xavier Pinheiro, tendo sido impressa pela Editora Typographia do Instituto Profissional Masculino.


⠀⠀⠀O projeto gráfico foi elaborado em três volumes: Inferno, Purgatório e Paraíso. Era desejo de Xavier Pinheiro, afirma J. A. Xavier Pinheiro (1907), que a sua tradução fosse editada com ilustrações de Gustave Doré, mas isso não ocorreu nessa primeira publicação. A impressão do poema foi executada sem ilustrações. Os caracteres escolhidos foram os romanos, tipo de letra mais usada desde o Humanismo. A dimensão da letra corresponde ao tamanho oito e, em letras menores, tamanho seis, foram impressas as notas. O texto ocupa o centro da página, cercada de margens em branco. No lado esquerdo da página, os versos, ou melhor, cada tercina recebe um número em ordem crescente.


⠀⠀⠀Na sua tradução, Xavier Pinheiro manteve a chamada “terza rima”. Esta se constitui como uma unidade de três versos, que apresenta uma simetria matemática, tomando por base o número três. Ela apresenta um encadeamento composto de tercetos, os quais rimam a partir do esquema ABA, BCB, CDC, DED, EFE etc. O verso central dos tercetos consegue controlar as duas linhas que compõem os versos marginais do terceto que vem após. Assim, a “terza rima” é também conhecida como encadeada. E há que se dizer que foi uma criação do próprio florentino Dante Alighieri e foi ele mesmo quem dela fez uso pela primeira vez, na sua obra, a Divina Comédia.


⠀⠀⠀Sobre a prática de numerar os versos da Divina Comédia, tem-se que ela foi introduzida como estratégia por Giovanni Antonio Volpi, para que as edições pudessem também circular em ambientes escolares, ampliando, desse modo, o público leitor. A primeira edição contendo esse paratexto foi a publicação, em três volumes, nos anos de 1726-1727. A respeito dessa nova apresentação, Volpi (1737) citado por Sensini (2012, p. 48) declara que “[...] foram numerados de cinco em cinco os versos de cada Canto, para maior comodidade a qualquer um que desejar as nossas indicações”. A partir de então, a numeração dos tercetos passa a fazer parte dessa obra, a tal ponto de hoje ser assimilada pelos leitores como um dado inerente ao texto.


⠀⠀⠀A edição de 1907, da tradução na íntegra da Divina Comédia de Xavier Pinheiro, comporta notas. Já a idealizada pelo Barão da Vila da Barra, publicada em 1888, foi publicada sem notas.


⠀⠀⠀No que concerne à Divina Comédia impressa com a presença de notas, pode-se afirmar que essa prática remonta ao século XV e, ao contrário da numeração dos versos, que se tornou comum, o anotar, o editar com notas não se estabeleceu enquanto prática. Assim, o público leitor poderá encontrar edições sem ou com notas.


⠀⠀⠀A prática de inserção de esclarecimentos, informações, considerações ou outras investidas materializadas nos livros em forma de notas se revestem de contradições que se avolumaram ao longo de toda a sua existência: aceitas por uns, outras vezes rechaçadas pelas editoras, por tradutores, por estudiosos, com argumentos que celebram que as notas interrompem a unicidade da história apresentada por um narrador onisciente, desfazem a relação imediata entre o texto e o leitor ou outras celeumas acaloradas, explícitas, por exemplo, na analogia estabelecida por Noel Coward e apontada por Anthony Grafton (1998, p. 68) de que ao “[...] ler uma nota de rodapé assemelha-se a ter de descer as escadas em meio a uma relação amorosa para atender à porta”. Elas, nós sabemos, inconvenientes ou não, pululam nas muitas obras traduzidas.


⠀⠀⠀No que diz respeito às notas elaboradas por José Pedro Xavier Pinheiro, estas ultrapassam as fronteiras relacionadas a questões inerentes à tradução da poesia dantesca, uma vez que, por intermédio das notas, o leitor de José Pedro Xavier Pinheiro é convidado a percorrer diferentes pontos de vista, entre explicações, comparações, digressões, interpelações e argumentações. Essa movência foi observada a partir da proposição de Genette, para o qual a nota não se restringe à sua apresentação ou formato textual, mas constitui um elemento determinante e orientador da leitura.


⠀⠀⠀Nessa tradução da Divina Comédia, datada de 1907, Xavier Pinheiro inseriu 1.313 notas em seu processo de verter a obra dantesca para o português do Brasil, sendo: Inferno 381 notas; Purgatório 432 e Paraíso 500 notas.


⠀⠀⠀Essas notas, em termos gráficos, se encontram ao final de cada canto e são indicadas por intermédio de algarismos arábicos. Elas foram impressas em fonte seis, distinguindo-se do texto, o qual se encontra impresso em fonte oito.

⠀⠀⠀Em termos de quantidade e extensão das notas impressas no Inferno, Purgatório, Paraíso, conforme declara o seu filho, F. A. Xavier Pinheiro no prefácio da edição de 1907, foram editadas as que constam nos originais, “as preferi”, afirma o filho de Xavier Pinheiro, “porque achei como ultima palavra do poeta-traductor” (1907, s. p).


⠀⠀⠀A tradução apresenta cantos com um total de trinta notas e outros com três e a flutuação que parece ficar mais evidente está ligada à extensão das notas. Observam-se notas que excedem, por vezes, a face de uma folha, estendendo-se para mais de uma ou diversas páginas.


⠀⠀⠀Vale também ressaltar que, entre as notas elaboradas por Xavier Pinheiro, encontram-se algumas que dizem respeito ao traduzir outras que contêm citações diretas de obras de Dante; notas com citações de comentadores da Divina Comédia; outras caracterizadas por citações de poetas que foram contemporâneos do florentino Dante, ou que viveram em tempos anteriores ou posteriores à escrita do poema; notas com citações diretas do texto bíblico e as que remetem a explicações e informações sobre dados históricos e personagens. Além disso, foram citados os seguintes comentadores dantescos: Giovanni Battista Zannoni; Jean-Jacques Ampère; Benvenuto Cellini; Benvenuto de Imola; Niccolò Giosafatte Biagioli; Giovanni Boccaccio; Cesare Baldo; Giovanni Villani; Carlo Troya; Pietro Fraticelli; Giuseppe Baretti; Enry Longfellow; Prospero Lorenzo Lambertini; Félicité-Robert De Lamennais; Baldassare Lombardi; Marquez Scipione Maffei; Ottimo Commento; Pietro Fraticelli; Francesco da Buti; Pompeo Venturi; Padre Miguel Ângelo Lanci; Paulo Costa; Nicolò Tommaseo; Abel-François Villemain; Cristoforo Landino.


⠀⠀⠀Ao final do Paraíso, em posfácio intitulado “Explicação Necessaria”, mais uma vez tem-se a voz do filho de Xavier Pinheiro agradecendo a todos os que colaboraram com a impressão da obra em questão. Além disso, informa ao público leitor que “o Intérprete de Alighieri, além de ter feito a tradução completa do poema, deixou um estudo crítico, literário e philosophico sobre Dante e a Divina Comédia” (1907), trabalho este que estaria sendo impresso e que seria publicado em seis meses, ou seja, em março de 1908.


Referências


ALIGHIERI, Dante. Divina Comédia. Tradução de José Pedro Xavier Pinheiro. Rio de Janeiro: Typographia do Instituto Profissional do Masculino, 1907.

GRAFTON, Anthony. As origens trágicas da Erudição: um pequeno tratado sobre a nota de rodapé. Tradução Enid Abreu Dobránszky. Campinas, São Paulo: Papiros 1998.

SENSINI, Michele. L'edizione commentata della Divina Commedia di G.A. Scartazzini: un modello nella tradizione dei commenti danteschi. Quaderni grigionitaliani, 2012, pp. 40-63. Disponível em: . Acesso: 28 de outubro de 2024.




Reference

ALIGHIERI, Dante. Divina comédia. Translation from José Pedro Xavier Pinheiro. 1. ed. Rio de Janeiro, RJ: Tipografia do Instituto Profissional Masculino, 1907.


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