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Title: Divina comédia

Subtitle: Inferno

Writer: Dante Alighieri

Translators: Silvana de Gaspari, Maria Teresa Arrigoni

Information about the work

Fierce

Inferno, de Dante Alighieri


Por Maria Teresa Arrigoni

Novembro/2024



⠀⠀⠀Traduzir sempre foi e será (sempre?) um desafio. Desafio continuamente aceito pelos artesãos dos novos textos que nascem e renascem e se renovam através dos tempos. Muitas obras se perdem no emaranhado das épocas e das traduções e não despertam mais no leitor, na leitora, o interesse de dedicar-lhes as atenções. Não é esse o caso da obra-prima de Dante Alighieri, hoje conhecida como Divina Comédia, que continua a ser objeto do desejo de muitos, embora um grande número de pessoas não possa, por motivos os mais diversos, lê-la em italiano. Eis que as traduções chegam para abrir essa possibilidade: seguir o peregrino Dante em sua viagem aos três reinos do além. Existem traduções? Muitas. Então caberia a pergunta: uma nova edição em português da Divina Comédia para quê ou, complementando, para quem? Pois bem, foi pensando nos leitores e leitoras dos dias atuais que nos pareceu importante acrescentar mais esta possibilidade de leitura, além das inúmeras já existentes, com o intuito de aproximar esse texto do século XIV de quem tem como meta repercorrer esse caminho.


⠀⠀⠀Muito poderíamos discorrer sobre essa obra que vem sendo comentada, reeditada, traduzida e ilustrada ao longo dos séculos. E isto nos faria tocar em pontos que já ocuparam estudiosos, eruditos, poetas e artistas das imagens. Poderíamos chamar em causa Borges que, em seus Nove ensaios dantescos retoma alguns dos episódios a ele mais caros, ou significativos. Poderíamos citar Haroldo de Campos, tradutor de seis cantos do Paraíso, ou Gustave Doré, talvez o artista que mais vezes teve suas ilustrações reproduzidas nas variadas edições da Divina Comédia em todo o mundo. Poderíamos retomar os percursos imensos e desafiadores dos comentadores italianos e estrangeiros dessa obra da literatura universal, ou ainda discorrer sobre as inúmeras traduções totais ou parciais da obra no Brasil, sem falar nas adaptações para o teatro, nas alegorias de uma escola de samba, no cinema, na música e até nos atualíssimos games. Não faltariam tópicos, controvérsias e epifanias.


⠀⠀⠀Fiquemos, pois, no campo da tradução. Apresentamos uma nova tradução da primeira parte da viagem: o Inferno, para qual optamos por utilizar como referência a tradução centenária de Francisco Bonifácio de Abreu, o Barão da Vila da Barra, o primeiro a traduzir integralmente para o português, no Brasil, a Divina Comédia. A tradução, assinada por ele, e com prefácio de Araripe Junior, foi publicada postumamente, em 1888, e perdeu espaço editorial para a mais conhecida e divulgada tradução de Pedro Xavier Pinheiro, aqui inúmeras vezes reeditada. Utilizamos para o nosso trabalho a edição publicada pela Garnier, no Rio de Janeiro, em 1908, com ilustrações de Yan D’Argent.


⠀⠀⠀Em um primeiro momento, após nossos encontros com o texto do Barão, tínhamos chegado a um consenso para trabalharmos no sentido da atualização da linguagem, já distante dos leitores e leitoras de hoje, mas a substituição dos arcaísmos por palavras mais atuais e dentro da nossa compreensão foi se demonstrando insuficiente e, embora tenhamos decidido manter algumas das escolhas básicas do autor, como os versos sem rimas e sem o esquema de sílabas do original, o que quisemos foi realmente dar um sentido global do texto, que permitisse ao leitor o gosto de ‘quero mais’, no que se refere a Dante e sua poesia. Lembramos aos leitores e leitoras que Dante utilizou um esquema fixo de tercetos com rimas encavaladas e seguiu uma medida fixa de sílabas em cada verso. O desafio de traduzir a Divina Comédia nesses mesmos moldes foi seguido por alguns tradutores e certamente merece ser prestigiado, mas podemos afirmar que nesse nosso trabalho priorizamos a compreensão do texto, colocando-nos na posição de quem está lendo pela primeira vez uma obra em versos, uma obra clássica, e procurando deixar o caminho acessível para todos.


⠀⠀⠀Com o prosseguir do trabalho, começamos cada vez mais a voltar sobre nossos passos e atuar com maior presença no texto, tendo em vista que detectamos a falta de alguns versos e uma leitura destoante do que nossa compreensão do texto de Dante nos levava a construir. Assim, nossa participação como tradutoras se fez mais presente e o desafio de retraduzir traduzindo se fez valer. E por mais polêmicas que nossa opção de trabalho possa suscitar, o objetivo de resgatar uma tradução há muito tempo relegada ao esquecimento, pareceu-nos compensador.


⠀⠀⠀Outra das principais tarefas a que nos propusemos, complementando a da tradução, foi a de criar notas, inexistentes no texto do Barão, que não fossem muito extensas, nem tão profundas a ponto de parecerem ensaios, mas que pretenderam ter a função de links, de indícios para quem quiser se aprofundar mais nos assuntos ali apresentados. Da mesma forma que as notas buscam ser um suporte de entendimento imediato para o leitor, termos mantido as breves apresentações que antecedem os cantos também seguiu o mesmo princípio. São essas apresentações que dão a dimensão do que está por vir e do andamento do texto, projetado nas pegadas do viajante pelas terras do além.


⠀⠀⠀Fizemos questão também, e nem todas as traduções o fizeram, de preservar e valorizar os símiles, que constituem um elemento fundamental para quem como Dante, vivo nos mundos do além, quer fazer com que quem lê ‘veja’ o que ele viu, ‘sinta’ o que ele sentiu, entenda o que ele sofreu, através das imagens que comparam o novo e o excepcional a algo do quotidiano, que nós também podemos ver e sentir e entender, mesmo se distanciados no tempo e no espaço.


⠀⠀⠀Ainda podemos salientar outro aspecto com relação às nossas escolhas: o de manter os nomes próprios dos personagens em italiano. Nem todos os tradutores seguiram esses passos, mas consideramos importante trazer esses participantes não somente sob as vestes de personagens dantescos e sim como personagens da Florença dos séculos XIII e XIV, homens e mulheres muitas vezes conhecidos pelo autor, dentro e fora dos limites de sua cidade natal.


⠀⠀⠀Sim, porque cabe dizer, ou reiterar, que Dante Alighieri nasceu em Florença em 1265 (e faleceu em Ravena em 1321) e, embora os dados biográficos a seu respeito não sejam todos precisos, muito se pesquisou a ponto de serem conhecidos os roteiros de seu exílio, e os passos da elaboração de suas obras, algumas em latim, De Vulgari Eloquentia (Tratado sobre a língua dita ‘vulgar’ em oposição ao latim), De Monarquia (Sobre a monarquia e em defesa da divisão entre os dois poderes: o espiritual e o temporal), entre outras, muito representativas de seu modo de pensar, em ‘italiano’, naquela língua que até então não tinha tido reconhecimento em termos de linguagem poética: a Commedia (Divina Comédia, a grande viagem do peregrino Dante ao inferno e ao purgatório com Virgílio e ao paraíso com sua amada Beatriz), a Vita Nuova (A Vida Nova, um misto de prosas e versos em que Amor e a mulher amada tecem os enredos), o Convivio (O Banquete, no sentido de convidados ao saber) elevaram essa nova língua a um patamar elevado a ponto de Dante ser considerado o pai da língua italiana. O ‘vulgar’ que ele propõe é uma língua literária substancialmente toscana, de derivação siciliana, mas ‘toscanizada’: a língua da sua poesia.


⠀⠀⠀Esse Inferno, que repercorremos enquanto tradutoras, foi concebido com a forma de um profundo e enorme buraco em forma de funil, um reino eterno, em cujo abismo são punidos, sem qualquer possibilidade de fuga ou redenção, os pecadores impenitentes, sujeitos às penas enquadradas na lei do chamado contrappasso: conexão por contraste, oposição ou analogia ao crime cometido, ao pecado punido, com a pena dada pela justiça divina.


⠀⠀⠀E é neste Inferno que apresentamos nosso trabalho de tradução a quatro mãos, esperando alcançar nosso objetivo de trazer para a leitura todos vocês que estão ansiosos para conhecer essa obra tão comentada e tão citada. Levamos adiante esse nosso desafio sabendo que no âmbito das interpretações, dos comentários, da crítica e da tradução não deverá, não poderá existir um ponto final... Boa leitura! Boa viagem ‘infernal’!

Reference

ALIGHIERI, Dante. Divina comédia: Inferno. Translation from Silvana de Gaspari; Maria Teresa Arrigoni. 1. ed. Florianópolis, SC: Editora da Universidade Federal de Santa Catarina — EDUFSC, 2023. ISBN: 9786558050810.


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