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Title: Decameron

Writer: Giovanni Boccaccio

Translator: Ivone Benedetti

Information about the work

  • Classification: Contos; Tradução
  • Publication year: 2013
  • Publisher: L&PM Editores, Porto Alegre, RS
  • Languages: Português
  • Original title: Decameron
  • Complete translation of the work(s)
  • Language(s) of the translated work: Italiano
  • Medium: Impresso
  • ISBN: 9788525429414
  • Number of pages: 632
  • Dimension: 16x23 cm

Fierce

Decameron - Giovanni Boccaccio

Por Ivone Benedetti

Outubro/2024



A obra.

⠀⠀⠀Para dar uma ideia da estrutura dessa obra, vejamos o que diz o próprio autor em seu prefácio. Após narrar as dores de amor que sofreu, período em que recebeu consolo de amigos, ele diz que suas penas diminuíram com o tempo, e daquele sentimento só ficaram as boas lembranças. Seguem-se diversas considerações sobre a facilidade com que os homens vencem esse tipo de anseio, pois se dedicam a inúmeras atividades, ao passo que as mulheres, normalmente confinadas a seus aposentos, não têm distrações que as socorram. É, portanto, a estas que ele dedica a obra, que, como diz, contará “[…] cem novelas ou fábulas ou parábolas ou histórias, como se queira chamar, narradas em dez dias por um honesto grupo de sete senhoras e três rapazes, formado nos tempos mortíferos da peste que passou, bem como algumas canções, cantadas pelas senhoras acima referidas, para seu deleite. Em tais novelas haverá casos de amor agradáveis e pungentes, bem como outras aventuras ocorridas nos tempos atuais e nos antigos; e das coisas divertidas que nelas são mostradas, as senhoras que as lerem poderão extrair não só prazer como também úteis orientações, pois reconhecerão aquilo de que se deve fugir e aquilo que deve ser seguido: coisas que não podem ocorrer sem que se livrem de seu pesar” (p. 24). Está aí esboçada a “moldura”, ou seja a história dentro da qual são contadas as cem histórias ou novelas. Estas costumam constituir o centro de interesse de leitores, críticos, escritores de todo o mundo, desde que esse livro foi concebido, mas vale a pena aqui nos determos na tática de montagem desse quadro ou moldura. Diz o autor: “[…] os anos da frutífera encarnação do Filho de Deus já haviam chegado ao número 1348, quando na insigne cidade de Florença, a mais bela de todas as da Itália, ocorreu uma peste mortífera […]” (p. 27). Segue-se daí uma descrição minuciosa e interessantíssima, do ponto de vista histórico, da maneira como se iniciou e avançou aquilo que hoje conhecemos como peste bubônica, ou peste negra. Após essa introdução histórica, inicia-se a parte ficcional, com a descrição, muito saborosa, da conversa que travaram sete jovens (orientadas por uma delas, Pampinea) na igreja de Santa Maria Novella. Pampinea começa seu arrazoado dizendo que as mulheres daquele grupo, se temem por si mesmas, devem buscar um modo de solucionar o problema que as aflige, ou seja, a peste. Por que permanecem em Florença? “Permanecemos aqui, segundo penso, como se quiséssemos ou devêssemos ser testemunhas de quantos cadáveres são trazidos à sepultura ou para ouvirmos se os frades daqui, cujo número está quase reduzido a nada, cantam seus ofícios nas horas devidas, ou para demonstrar a quem quer que apareça, em nossos trajes, a qualidade e a quantidade de nossas misérias. […] E não ouvimos outra coisa senão: ‘Fulanos estão mortos’ e ‘Sicranos estão para morrer’ […] eu, que tinha grande número de serviçais, encontrando lá [em casa] agora apenas minha criada, fico apavorada e tenho arrepios por quase todo o corpo; e, seja qual for a parte da casa aonde vá ou permaneça, parece que vejo as sombras daqueles que se foram, mas não com as expressões que costumavam ter, e sim assombrando-me com uma aparência horrível, que não sei de onde lhes veio depois que morreram. Por todas essas coisas, aqui, fora daqui e em casa eu me sinto mal; principalmente porque também me parece que ninguém que tenha alguma energia e lugar aonde ir, como nós, continua aqui, exceto nós mesmas.” (p. 34-35) E assim concordam em partir. Mas são apenas mulheres, e, como diz uma delas, Elissa: “Realmente, os homens são cabeças das mulheres, e sem a ordem deles raramente alguma obra nossa chega a bom termo”(p. 36). A ajuda masculina vem por meio de três rapazes. Está assim formado um grupo de dez. No refúgio campestre para onde vão, passam o primeiro dia sob a direção de Pampinea (eleita rainha), que, ao cair da tarde, propõe que cada um conte uma história. Assim se encerra o primeiro dia (a primeira jornada), com dez contos (ou novelas), narrados pelos dez participantes da tertúlia. Terminado o dia, Pampinea passa a coroa a Filomena, a rainha do dia seguinte, que propõe um tema por dia para as histórias contadas pelos participantes. Assim, os dez serão rainhas e reis, cada um em seu turno, até o final das dez jornadas, com dez novelas a cada jornada, perfazendo, portanto, o total de cem narrativas. A cada dia a rainha ou rei do dia seguinte, nomeado(a) pelo(a) antecessor(a), escolhe um tema para as narrativas: sobre alguém que, apesar de atribulado, conseguiu chegar a um final feliz, contrariando as expectativas; sobre pessoas que com muito engenho tenham conquistado algo muito desejado ou recuperado algo perdido; sobre pessoas cujos amores tiveram um fim infeliz; sobre algo feliz que tenha acontecido a algum amante, depois de vicissitudes; sobre alguém que, tendo sido provocado, se defendeu com palavras espirituosas; do modo como, por amor ou para salvar-se, as mulheres burlam seus maridos; do modo como os homens burlam suas mulheres; sobre alguém que tenha sido generoso em relação a fatos do amor ou outros. Na primeira e na nona jornada o tema foi livre.


O autor.

⠀⠀⠀Giovanni Boccaccio, considerado o fundador da novela italiana, nasceu em Florença ou Certaldo na segunda metade de 1313, filho de um mercador. Na juventude, o pai o enviou a Nápoles para a companhia dos Bardi, poderosos banqueiros, a fim de aprender o ofício do comércio. Mas logo Boccaccio abandonou a prática mercantil e os estudos de direito para se dedicar à literatura. Bem recebido na corte de Roberto II de Anjou, fez amizade com importantes personalidades. Nos anos que passou em Nápoles, em meio à grande produção em verso e prosa, Boccaccio rapidamente manifestou sua propensão para a narrativa. Escrevia tanto em latim quanto em italiano, compondo poemas e romances de amor. Nesse período escreveu Filostrato, em versos de oito sílabas, em que narra a história de Troilo e sua infeliz paixão por Criseida; Filocolo, romance em prosa; Teseida, também em oitavas, em que narra a patética história de Arcita e Palaemon, ambos inflamados pelo amor por Emília, tendo como pano de fundo as guerras vitoriosas de Teseu contra as Amazonas. Em 1340, o pai o chama de volta a Florença (diante da falência dos Bardi). Nos anos seguintes passa por Ravenna e depois por Forlì, retornando a Florença em 1348, onde testemunhou os terríveis efeitos da peste, que mais tarde descreveria no Decameron. Também escreveu Ninfale d'Ameto, obra mista de prosa e poesia; Amorosa visione, poema alegórico em tercetos, à imitação da Comédia de Dante, Elegia di madonna Fiammetta em que, como se fosse a própria protagonista, narra a triste história de uma mulher abandonada pelo amante; Ninfale fiesolano. Em 1350, conhece Francesco Petrarca. A essa amizade se associa uma série de obras em latim, de carácter erudito e enciclopédico, inspiradas no nascente Humanismo. Sendo já conhecido e apreciado, recebeu cargos de prestígio, foi embaixador na Romanha, em Avinhão, junto ao Papa e em Nápoles. Fechou o ciclo de obras em língua vernácula com Corbaccio, dura sátira às mulheres. Viveu os últimos anos atormentado por questões familiares e pela pobreza. Seu último compromisso foi a leitura pública da Comédia de Dante. Morreu em Certaldo em 21 de dezembro de 1375.


A tradução.

⠀⠀⠀Ao contrário do que possa revelar um levantamento superficial, a obra completa foi traduzida duas vezes no Brasil, e não três. Isto porque a primeira tradução foi assinada por Raul de Polillo e data de meados do século XX. A segunda edição integral, datada de 1970, é assinada por Torrieri Guimarães, mas, conforme pôde ser constatado, trata-se da mesma tradução de Polillo, maquiada por algum copidesque. Portanto, salvo engano, tudo indica que no Brasil apenas um tradutor se dedicou à tradução integral dessa obra, antes da iniciativa da L&PM, e esse tradutor se chama Raul de Polillo. Antes e depois desse trabalho e até os dias de hoje, foram lançadas várias traduções de novelas avulsas, em coletâneas ou não, por várias editoras, algumas assinadas por nomes ilustres. Invariavelmente, nessas iniciativas, faz-se uma seleção das obras mais picantes, desprezando-se as de caráter mais moral ou trágico. Quais as implicações de se optar por uma tradução completa? A primeira resposta possível é o extremo esforço necessário à empreitada, tanto por parte da editora quanto do tradutor. Trata-se de uma obra extensa, que demanda muito tempo de trabalho, portanto grande empenho individual de quem traduz e gastos consideráveis com os quais só uma grande editora pode arcar. Em segundo lugar, é uma obra escrita num estado do italiano pouco dominado pela maioria dos tradutores em atividade no mercado brasileiro. As dificuldades podem ser de duas naturezas. Podem ser de natureza lexical ou terminológica, pois em Boccaccio (como em qualquer autor que tenha escrito num estado de língua muito diferente do atual) muitas vezes as palavras usadas, embora formalmente reconhecíveis como ainda existentes no léxico italiano, nem sempre portam em si os significados que têm agora. Lidar com textos desse tipo requer razoáveis conhecimentos de etimologia e gramática histórica. O segundo tipo de dificuldade diz respeito à estrutura sintática presente no Decameron, estrutura clássica, latinizante que, se mantida, produzirá uma leitura impossível. Pois bem, então é preciso modificá-la. Até que ponto fazê-lo, sem desfigurar a fisionomia de uma cultura e de um autor? Ferir o tipo de encadeamento sintático da obra expõe ao risco de destruir o tônus do texto, de enfraquecê-lo. No entanto, a estrita e cega observância das sequências sintáticas do italiano daquela época, como já se disse, compromete o resultado final, criando labirinto conceitual no qual o leitor moderno se perderia com facilidade. A busca do equilíbrio é, portanto, a difícil tarefa desse tipo de tradução. Outra questão pouco abordada diz respeito ao ritmo da prosa boccacciana. Na Idade Média, a união entre música e poesia era inerente. Na tradução em pauta, pareceu importante reproduzir certas cadências, preservar o que havia de penetrante e resoluto, sem tentar substituí-lo pelo caricioso e hesitante, jamais ferir a concisão em nome de pretensas preferências estéticas, conservar a sensação de fôlego sempre renovado, sem a pausa longa do ponto, respeitando a abundância de pontos-e-vírgulas, conservando a retomada insistente das ideias em frases iniciadas por “e”, como se nada nunca se acabasse, e tudo fosse o contínuo que leva da primeira à centésima novela, de modo que uma coisa se soma sempre à outra, estando tudo suspenso dos lábios de um narrador que não tem pressa, que emite sua narrativa como um cantor a entoar um melisma.


Reference

BOCCACCIO, Giovanni. Decameron. Translation from Ivone Benedetti. Porto Alegre, RS: L&PM Editores, 2013. ISBN: 9788525429414.


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