Esta obra é póstuma.
A escrita desses textos se deu entre a primavera e o verão de 1984, portanto, estamos falando de um Andrea Zanzotto já legitimado, já reconhecido como grande poeta, inclusive fora das fronteiras italianas. A essa altura La Beltà [A Beldade] (1968), a experiência radical de Filò e a imersão de Il galateo in bosco [O galateu no bosque] (1978) já tinham sido publicados, circulavam, surpreendiam e chamavam a atenção de poetas do calibre de Eugenio Montale e Franco Fortini.
Os haicais foram escritos em inglês e depois foram "traduzidos" pelo próprio Zanzotto em italiano. Trata-se de uma publicação póstuma que sai no primeiro aniversário de morte de Zanzotto, em 2012 (ele falece em 2011). A primeira edição do livro é americana, organizada por Anna Secco e Patrick Barron. A edição italiana sai somente em 2019, pela Mondadori; e mais recentemente, no centenário de nascimento do poeta, em 2021, foi publicada a tradução para o francês, feita por Philippe Di Meo.
Uma experiência com certeza estranhante, talvez sem igual na literatura italiana, que escava um lugar, uma possibilidade na língua inglesa. Do mesmo modo que tudo isto pode parecer excêntrico, há uma vertente que flerta com o imprevisível.
O traço imprevisível marca ainda o que poderia ser chamado de reescrita, quando se pensa nos textos em italiano. Não se trata exatamente de tradução, pois a passagem do inglês para o italiano é feita tempos depois (não é concomitante) e os textos sofrem modificações; é sobretudo uma releitura que requer uma reescrita.
Estamos falando de haicais, mas Zanzotto os chama de “pseudo-haicais” pelo fato de não respeitar o formato tradicional da forma japonesa, as clássicas 17 sílabas. A retomada de uma forma fixa não é um gesto desconhecido, uma vez que ele já havia feito isso com o soneto em Il galateo in bosco. A recuperação de uma forma não consiste numa simples retomada, já que caminham juntos dois gestos paradoxais, “recuperação” e corrosão, que atuam ao mesmo tempo na profanação do dispositivo da forma: uma relação imbuída de afetividade e liberdade.
A edição brasileira é trilíngue, trazendo os textos em inglês, em italiano e em português, trazendo um aparato textual rico para o leitor: a apresentação pela organizadora da edição brasileira, a introdução da edição americana de 2012; um posfácio de Stefano Dal Bianco que trata da relação de Zanzotto com o inglês e um posfácio de Andrea Cortellessa que pensa essa operação poética dentro do seu percurso. O último paramento é a orelha de Tarso de Melo: "“o traço rápido do poeta-pintor (para lembrar que esses versos, antes de serem textos, são imagens) capta o universo funcionando nos mínimos acontecimentos que nos cercam – sem eloquência, sem retórica, sem contorcionismos, apenas registrando algo que, não raro, terá desaparecido antes que a primeira palavra chegue ao papel”.
Verbete por Patricia Peterle (2023)
ZANZOTTO, Andrea. Haicais for a season. PETERLE, Patricia (org). Translation from Patricia Peterle. Rio de Janeiro, RJ: 7 Letras, 2023.
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